Da janela ao escritório – A serenata como ponte entre memória e presença

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Por Fredi Jon
Durante décadas, a imagem da serenata esteve ligada a varandas iluminadas pela lua, janelas entreabertas e corações batendo mais forte ao som de um violão. Era um gesto íntimo, romântico, quase fora do tempo. Mas eis que, no século XXI, essa mesma serenata atravessa paredes de vidro espelhado e chega… ao mundo corporativo.
Pode parecer piada, e, de certa forma, é. Porque há algo deliciosamente irônico em imaginar diretores engravatados interrompendo a planilha de custos para ouvir alguém cantar Roberto Carlos no meio da sala. Mas talvez justamente essa “quebra” seja o que falta: um pequeno terremoto afetivo num ambiente onde até o cafezinho é cronometrado.
As empresas modernas vivem pregando discursos de “capital humano”, “gestão de talentos” e “cultura organizacional”. No entanto, basta olhar em volta para ver gente esgotada, olhos perdidos em telas e sorrisos protocolados. A lógica é simples: somos tratados como números, mas cobrados para entregar alma. E aí entra a serenata como uma espécie de hacker emocional, invadindo o sistema com algo que não cabe em relatórios: afeto.
Quando uma serenata acontece numa empresa, ela suspende a engrenagem. De repente, o chefe deixa de ser “o chefe” e vira um ser humano que se emociona. O colega que só conhecíamos pelo e-mail ganha lágrimas nos olhos. E aquele funcionário já pensando em pedir demissão encontra, talvez, uma razão para ficar: perceber que ainda existe espaço para sentir dentro da máquina.
Do lado social, a cena se repete em outras escalas: hospitais, aniversários, casamentos, reconciliações. Em cada canto, a serenata cumpre sua função subversiva lembrar que a vida não é só prazos, boletos e notificações. É também música, pausa, memória.
E cá entre nós: talvez seja mais barato para uma empresa contratar uma serenata por mês do que investir milhões em palestras motivacionais com frases prontas. Afinal, um refrão bem cantado e genuíno pode gerar mais pertencimento que cem slides sobre engajamento.
No fim, a pergunta que fica é provocativa: se até o mundo corporativo, esse território tão blindado, precisa de uma serenata para lembrar-se de que é humano, o que isso diz do nosso tempo? Talvez que estamos tão famintos por afeto que até o Excel precisa de trilha sonora.
Porque, convenhamos, nenhum funcionário vai se lembrar do relatório de 2024. Mas do dia em que alguém entrou na sala de reunião com um violão, uma cartola e casaca e fez todo mundo rir e chorar ao mesmo tempo, ah, disso ninguém vai esquecer.