O Brasil que se recusa a reconhecer corpos negros no poder

Vera Lúcia, ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral
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Por Rodrigo Martins
Quando uma ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral, uma mulher negra, com toda sua competência, sua formação e sua legitimidade institucional, é barrada na porta de um prédio — mesmo se identificando e apresentando sua carteira funcional —, o Brasil escancara, mais uma vez, sua estrutura racista, violenta e excludente.
Este não é um caso isolado. Este é o retrato fiel de um país que insiste em não reconhecer pessoas negras nos espaços de poder, que se incomoda profundamente quando corpos negros atravessam fronteiras simbólicas impostas historicamente pelo racismo.
Como professor de história, militante, ativista e homem negro, não me surpreendo, mas me indigno. Porque nós sabemos que, para o racismo, não basta sermos doutores, mestres, ministros, juízes, escritores ou intelectuais. Nosso pertencimento a esses espaços é constantemente questionado, vigiado, colocado sob suspeita.
O que aconteceu com a ministra Vera Lúcia não é sobre ela apenas. É sobre todos nós. É sobre o menino negro que é seguido no mercado. É sobre a mulher negra que é tratada como se não pertencesse ao espaço acadêmico, jurídico ou político. É sobre a juventude preta que é abordada e morta violentamente pela polícia por simplesmente existir.
O racismo no Brasil não é apenas estrutural — ele é estruturante. Está impregnado nas relações, nas instituições, nas práticas cotidianas. Ele nega humanidade, nega pertencimento e tenta, todos os dias, nos lembrar de “nosso lugar”. Só que o nosso lugar não é na margem, não é na subalternidade, não é na invisibilidade. O nosso lugar é onde nós quisermos estar.
Esse episódio, embora revoltante, também é um alerta: nossa luta está longe de acabar. Precisamos continuar ocupando, tensionando e desafiando esses espaços. Porque cada vez que uma pessoa negra chega, ela não chega sozinha — ela carrega consigo a memória dos que vieram antes, dos que tombaram e dos que resistiram.
Nosso corpo é político. Nossa existência é resistência. E não aceitaremos mais sermos barrados, silenciados ou desumanizados. Somos herdeiros de Dandara, de Zumbi, de Lélia, de Sueli, de Carolina Maria de Jesus. E como eles, seguimos em pé, com dignidade, com coragem e com a certeza de que a nossa luta transforma o mundo.
O racismo vai continuar tentando nos parar na porta. Mas nós vamos continuar abrindo portas, arrombando portões e construindo pontes — para nós e para os que virão depois.