O Minotauro taboanense e seus labirintos
Por Dr. Antônio Rodrigues
Quem nunca ouviu falar do Minotauro, a criatura com corpo humano, cabeça e rabo de touro, nascida da relação sexual entre a esposa do rei da Ilha de Creta, Minos, e o touro presenteado ao rei pelo deus Poseidon? Quando Astério (nome dado à criatura pela mãe) se tornou feroz e começou a se alimentar de pessoas, o rei ordenou a Dédalo que construísse um labirinto para prendê-lo. Teseu, munido de uma espada e um novelo de lã dado a ele pela filha do rei Minos, matou o Minotauro e saiu do labirinto seguindo de volta o “fio de Ariadne”.
Passados mais de 2 mil anos desde a tragédia mitológica grega, num dos labirintos formados pelo emaranhado de ruas estreitas, becos e vielas de uma das maiores comunidades da Grande São Paulo, a polícia encontrou e prendeu um outro Minotauro. Ao contrário de Astério, Diego Fernandes de Souza, o Minotauro taboanense, não esperava passivamente no seu labirinto por vítimas oferecidas em sacrifício; não, ele invadia os palácios modernos, condomínios de alto padrão, para saqueá-los.
De simples “chaveiro” que abria as portas para quadrilhas de assaltantes, Diego passou a planejar e comandar os assaltos. Segundo a polícia paulista, ele tornou-se uma lenda que assombrava os moradores das mansões do Morumbi.
Para encontrar e prender o Minotauro taboanense incrustado na labiríntica Paraisópolis, a polícia teceu seu próprio “fio de Ariadne”, cruzando informações sobre crimes patrimoniais na região. O “Teseu” da polícia não brandiu uma espada contra a criatura, mas um mandado de prisão. Nos esconsos de seu esconderijo, no fundo do guarda-roupa do Minotauro, a polícia encontrou 20 valiosos quadros, entre eles duas cobiçadas obras de arte do pintor Alfredo Volpi cuidadosamente embaladas em plástico-bolha.
A prisão foi anunciada com estrépito. Finalmente um trabalho bem-feito pela Polícia Civil cujo índice de esclarecimento de crimes patrimoniais não chega a 4% ao ano. O Minotauro capturado foi descrito pelo Delegado-Geral de Polícia como “o maior bandido que conheço, o ladrão número 1”. Os moradores do Morumbi, enfim, ficaram livres de seu principal algoz.
A comparação entre Astério e Diego, todavia, é demasiado imperfeita: na lenda grega, quando Teseu mata o Minotauro, a ameaça desaparece para todos e o labirinto perde sua razão de existir; na realidade paulistana não acontece nem uma coisa, nem outra.
A festejada prisão beneficia diretamente as classes abastadas do “bairro nobre”, enquanto a vizinhança ao lado, na cidade natal do Minotauro preso, permanece à espera de proteção policial contra roubos cada vez mais frequentes, ousados e violentos, como revelam as imagens gravadas por câmaras de segurança compartilhadas à exaustão nas redes sociais.
E os labirintos contemporâneos, construídos pelas desigualdades estruturais brasileiras, permanecem intactos e funcionais porque não dependem de uma única criatura para existirem: de fato, das entranhas de suas extremidades, em Paraisópolis ou na Faria Lima, talvez já estejam sendo forjadas as próximas lendas assombrosas.
Antonio Rodrigues do Nascimento