Nosso Senhor Jesus é preto na “Paixão de Cristo” do Taboão
Por Dr. Antônio Rodrigues
A 66ª versão da “Paixão de Cristo”, encenada em Taboão da Serra com o ator Rager Luan no papel principal, ofereceu ao público uma poderosa reflexão estética e política, como contraste e confronto às tradicionais representações eurocêntricas idealizadoras de um Jesus Cristo branco e de olhos claros, às vezes até mesmo loiro de olhos azuis.
Maria de Nazaré, uma cidade da Galiléia, e José, natural de Belém, uma cidade da Judéia, ambas situadas em território palestino, eram provavelmente pessoas de pele morena, olhos e cabelos escuros, como assim terá sido seu filho Yeshua bar Yosef (aramaico) ou Yeshua ben Yosef (hebraico), significando Jesus filho de José, nome comum na Palestina ao tempo de Jesus menino.
Do ponto de vista histórico e étnico, portanto, é absolutamente inverossímil que o Jesus de Nazaré descrito no Novo Testamento bíblico pudesse ter a aparência física de um europeu caucasiano de pele branca e olhos claros.
Contudo, mais que aproximar a narrativa bíblica da história factual, a decisão do diretor do espetáculo, Valter Costa, de escolher um ator de pele preta para representar Jesus ultrapassou critérios estritamente técnicos e artísticos, ainda que estes tenham sido plenamente justificados pela performance cênica.
É que a força dos quatro Evangelhos, especialmente da narrativa da crucificação e da ressurreição de Jesus, reside na mensagem de amor e esperança dirigida especialmente aos pobres e oprimidos. Assim, a representação de Jesus por um ator preto é um poderoso gesto de resistência e ressignificação simbólica neste país, marcado há séculos pelo racismo estrutural que molda relações sociais baseadas em privilégios da branquitude e na violência contra pessoas pretas.
O protagonismo de um ator preto também comunicou a mensagem de que tanto a divindade quanto a humanidade transcendem padrões eurocêntricos, historicamente impostos aos demais povos pela força das armas e dos modelos culturais hegemônicos. Jesus nasceu numa cidade da Cisjordânia dominada pelo Império Romano; atualmente, a mesma Cisjordânia está ocupada pelo Estado de Israel, que com o apoio de países europeus e dos EUA, promove o genocídio do povo palestiniano.
Nesta beirada da Metrópolis, no dia 18 de abril de 2025, nem mesmo a chuva e as falhas na sonorização impediram que a “Paixão de Cristo” engrandecesse a fé do público presente. Seja por ter rejeitado o estereótipo colonizado de um Jesus embranquecido, seja por ter representado uma espiritualidade que desafia o racismo, a exclusão social e a hipocrisia daqueles que buscam transformar sentimento religioso em instrumento de dominação, e a almejada salvação em privilégio de poucos.