Hoje eu vou morrer
Por Cynthia Gonçalves - Blog Animal
Inverno de 2021, no noticiário a previsão do tempo afirma que o Brasil terá o maior frio de todos os tempos, e olha que eu nem moro no Sul do país. Normalmente as pessoas me chamam de “passa”, ou “sai daí”, na verdade eu não tenho um nome porque jamais tive uma casa, sou apenas mais um vira-lata caramelo que anda pelas ruas da cidade em busca de sobrevivência.
Pelas minhas contas ainda não completei nem dois anos de vida, mas desde que minha mãe morreu atropelada eu e meus irmãos nos separamos, alguns deles foram levados por humanos, dois morreram envenenados e os outros simplesmente sumiram no mundo como acontece com a maioria das ninhadas que nascem na rua.
Eu vivo da bondade de poucas pessoas, as vezes não as encontro aí me viro com os lixos que consigo comer, dia desses estava andando e me deparei com uma casinha de papelão, havia água e comida também! Foi um dia incrível, me fartei, tinha até cobertor acreditam? Dormi diversas noites neste abrigo que me protegeu do frio, mas hoje quando voltei ele não estava mais lá.
A temperatura tá caindo, e eu continuo andando em busca desse abrigo, mas não consigo encontrar. Frio… não sinto mais minhas patinhas, meu focinho tá gelado e as orelhas também. Ouvi a moça no ponto de ônibus dizer que será a noite mais fria do ano, ela olhou pra mim e disse “coitado desse bicho” a outra respondeu “ele tem pelo” e eu olhava fixamente para o salgado na mão dela e nem imaginava o que estava por vir, não ganhei o salgado e elas subiram no ônibus sem me dar nenhum pedacinho de alimento, porque a maioria das pessoas não ligam para nós.
A noite foi chegando e pouco a pouco o frio foi gelando cada parte do meu corpo, meu pelo ao contrário do que a moça pensava não me protegia mais. Não achei meu abrigo, acho que jogaram fora. Algumas pessoas se sentem incomodadas quando se deparam com casinhas como aquela em sua rua.
Os comércios foram fechando, e eu que já estava cansado me deitei na calçada (aquela onde antes tinham deixado a casinha), me sentia estranho, respiração pesada, tremores incontroláveis. Meu corpinho já não respondia aos meus impulsos, um moço me olhou e disse “tadinho vai morrer de frio” e foi embora, segui seus passos com meus olhos, mas sequer tentei acompanhá-lo. Eu não conseguiria.
Madrugada, ninguém na rua, já não sentia mais o meu corpinho, sem abrigo, olhos pesados, respiração fraca, ninguém por mim, pensei “acho que hoje eu vou morrer”. Senti quando cada parte de mim foi enrijecendo, já não havia mais frio, tudo formigava, minha respiração virou suspiros curtos, cada vez menores e espaçados, até que tudo escureceu.
É, eu morri por hipotermia, sozinho, jogado na calçada que por dias tive onde me esquentar, não há mais frio, nem fome, minha mãe e os meus irmãos vieram me receber no céu.
Ai na terra não fui adotado, não recebi amor, nem alimentação adequada, nunca mordi ninguém, nem sei o que é um lar, mas um dia na rua mesmo tive um lugar quentinho pra dormir. Algumas pessoas fazem o que podem, o problema é quem não faz nada e ainda estraga o que o outro fez por nós.
A placa na casinha dizia “Aqui dorme um animal de rua, se puder ajudar com água e ração muito obrigado, se não puder tudo bem, mas não estrague minha casinha”.
Não houve compaixão, jogaram o abrigo fora e eu morri.
Informativo
A ONG Patre está realizando a Cãopanha do Miaugasalho e distribuindo abrigos temporários (como esse da foto) em toda a nossa região, a sua doação de cobertas, roupas e demais itens como caixas, sacos de lixo e fitas adesivas podem ser deixados no Hospital Veterinário Polivet (rua Felício Baruti, 74 – Intercap). Para ajudar a ONG você pode fazer uma doação através do PIX 26.287.804/0001-07
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